Cisneiros

fecho os olhos e me vem o cheiro de manga, a casa
da tia zezé, o quintal da tia agonia.
ainda agora o trem passou (ou foi só a estação
que tremeu de leve, com saudade?).
não salto do pontilhão, mas mergulho meus pés
no rio – e minhas pegadas molhadas ainda devem estar lá
nos dormentes suspensos no ar.
(de olhos ainda fechados: meu tio antônio finamore
velado na sala, a casa cheia e triste).
volto agora, olhos bem abertos, em busca do túmulo
do meu vô tote: placa nenhuma lembra seu nome
mas ali está ele, no seu terno branco, cabelos
engomados para trás, dicionário na mão, palavras
se cruzando, enigmas se desfazendo, o baralho
e a paciência. meu avô nasceu aqui, e é aqui que dorme agora
o sono que dormiremos todos, no silêncio descalço
e íngreme de cisneiros. a estação descansa,
invisível, junto aos trilhos mortos. o armazém
abriu-se ao tempo e logo irá também, calado,
juntar-se a tudo que se foi – altar, pomar, infância.
a cidade parou, e só o rio passa, célere
como o tempo: alheio a tudo.

A poesia acima escrita por Sidney Eduardo Affonso

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